sábado, 17 de junho de 2017

A vida tem sentidos



Já disse aqui algumas vezes que a felicidade mora nos sentidos, porque é através deles que apreendemos a vida e porque é através do sentir e da sensibilidade que nos relacionamos com o outro e com o mundo. Mas que importância tem a utilização plena nos sentidos quando nos venderam a existência de uma inteligência que privilegia o pensamento lógico e a acumulação de conhecimento?

Quando penso em privação, reconheço que seja, tantas vezes, o que nos faz valorizar o privilégio que é, mais do que viver, interagir com a própria vida. 

Quando penso em sentidos, apesar de considerar a visão e a audição bens maiores, grandes canais de conhecimento e experimentação, tendo a escolher o tacto como o meu preferido. Não sei se terá sido por ter passado o primeiro mês de vida dentro de uma incubadora, numa altura em que não se dava importância ao toque nos bebés, o calor humano é das coisas que valorizo mais. Paradoxalmente, tenho dificuldades em dormir acompanhada, mas isso seria todo um outro tema sobre como os nossos conflitos de aproximação/separação podem condicionar a mais básica das necessidades, todo um outro artigo sobre experiências seguras e inseguras que vão pautando a nossa forma de nos relacionarmos e de sentir com e sem o outro. 

Voltando ao tacto, sempre ouvi que os espanhóis é que tocavam sempre nas coisas para as ver, nomeadamente nas lojas. Claramente os povos latinos tendem a estar mais à vontade com o toque e não me parece estranho que utilizemos vários sentidos em simultâneo para avaliar e conhecer, de uma forma mais completa, o ambiente que nos rodeia. Quantas vezes não chega olhar, ver? Quantas vezes não temos de pegar, tocar, cheirar? 

A visão e a audição são tão valorizadas que consideramos como maiores deficiências sensoriais a visual e a auditiva. Sempre trabalhei com espelhos, dando aulas de dança e trabalhando com grupos e quase sempre com música. Trabalhando com o corpo, o contacto e o toque também sempre foram desenvolvidos e estiveram presentes. Quanto ao olfato e ao paladar, estão intimamente ligados, porque, quando comemos, sentimos o aroma de um alimento e, sem "cheiro", não sentimos sabor nenhum! E estão intimamente ligados a memórias e histórias! 

Todos os sentidos nos remetem para memórias, para vivências, para afetos, mas eu arrisco dizer que os cheiros e os sabores são clássicos no que diz respeito a isto mesmo. Associamos um odor e um sabor a um lugar, a uma avó, uma pessoa querida, uma casa, a uma experiência, um momento. 

Costumo dizer que, desde que estive doente (e também porque criei o blog), tiro mais fotografias e escrevo mais para reter informação, auxiliar a memória, mas talvez sinta que, ao viver mais plena de "sentidos" (fisiológicos e simbólicos), a mente me possa atraiçoar e me vá esquecer de tudo o que tenho a oportunidade de estar a viver. Só porque, no fundo, fui programada para reter a informação pela mente, pela memória consciente, pelo B-A-BA, pela linguagem, pelo ipsis verbis que éramos obrigados a repetir na escola. A, ante, após, até, com, contra, conforme, consoante, de, desde, em, entre, para, per, perante, por, segundo, sem, sob, sobre, trás. 

No entanto, lembro-me do cheiro de um leite horrível que, por vezes, nos davam ao lanche, na primária. E lembro-me do sabor dos coentros das saladas da minha avó, que me acompanha em todas as saladas que adoro. 

Estas são memórias que as minhas células assumiram como realidade. As da mente são, tantas vezes, um esforço para não nos aproximarmos tanto do tanto que é de verdade. 

Digo eu. Mas sobre tudo o que está neste blog: digo eu...

Voltando ao início, afinal de contas, que diferença fará nas nossas vidas sentir e experienciar a vida com o corpo todo, sem nos desmembrarmos de sentidos e de sentido?




Possivéis temas a explorar a partir deste post:
- Os sentidos e a noção de tempo: passado, presente e futuro;
- "Não me cheira..." o olfacto, o perigo e as doenças respiratórias - as minhas alergias e sinusites frequentes;
- A abertura do olfacto e do paladar: a minha experiência com óleos essenciais como facilitadores desse caminho;
- Os sentidos e o sentido da vida;
-  A (hiper)sensibilidade ou uma sociedade que não facilita o sentir?
- Sentir, vulnerabilidade e exposição ao perigo 






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